segunda-feira, janeiro 24, 2011

Pior catástrofe natural da história do País

Rubbish! É a resposta - em bom inglês - do biogeógrafo americano Jared Diamond para a pergunta sacada com frequência pelos "céticos do clima" no afã de congelar o debate ambiental: o aumento da temperatura do planeta, ao qual se atribui a intensificação dos ciclos de calor e frio testemunhada hoje por toda a parte, pode ser o resultado de um ciclo natural da Terra? Rubbish - lixo, besteira.
"A ideia de que as mudanças climáticas que estamos presenciando hoje são naturais é tão ridícula quanto a que nega a evolução das espécies", fustiga o autor de Colapso (Record, 2005), um tratado multidisciplinar de 685 páginas na edição brasileira que analisa as razões pelas quais grandes civilizações do passado entraram em crise e virtualmente desapareceram. E a questão assustadora que emerge de seu olhar sobre as ruínas maias, as estátuas desoladoras da Ilha de Páscoa ou os templos abandonados de Angkor Wat, no Camboja, é: será que o mesmo pode acontecer conosco?
A resposta de Diamond, infelizmente, é sim. Ganhador do Prêmio Pulitzer por sua obra anterior, Armas, Germes e Aço (Record, 1997), em que focaliza as guerras, epidemias e conflitos que dizimaram sociedades nativas das Américas, Austrália e África, o cientista americano há anos nos adverte sobre os cinco pontos que determinaram a extinção de civilizações inteiras. O primeiro, é a destruição de recursos naturais. O segundo, mudanças bruscas no clima. O terceiro, a relação com civilizações vizinhas amigas. O quarto, contatos com civilizações vizinhas hostis. E, o quinto, fatores políticos, econômicos e culturais que impedem as sociedades de resolver seus problemas ambientais. Salta aos olhos em sua obra, portanto, a centralidade que tem a ecologia na sobrevivência dos povos.
Foi na semana subsequente à pior catástrofe natural da história do País, na região serrana do Rio de Janeiro - a mesma em que um arrepiante tornado surgiu nos céus de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense -, que Jared Diamond falou por telefone ao Aliás. Às vésperas do lançamento no Brasil de um de seus primeiros livros, O Terceiro Chimpanzé (1992), o professor de fisiologia e geografia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, fala das providências cruciais que o ser humano deverá tomar nos próximos anos para garantir sua existência futura. Diz que as elites políticas, seja nos EUA, na Europa, nos países pobres e nos emergentes, tendem a tomar decisões pautadas pelo retorno em curto prazo - até um ponto em que pode não haver mais retorno. Avalia que o Brasil dos combustíveis verdes tem sido "uma inspiração para o mundo", mas também um "mau exemplo" na preservação de suas florestas tropicais. E fala da corrida travada hoje, cabeça a cabeça, entre "o cavalo das boas políticas e aquele das más", que vai determinar o colapso ou a redenção das nossas próximas gerações.
O Brasil enfrentou tempestades de verão que mataram mais de 700 pessoas. Debarati Guha-Sapir, do Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres da ONU, disse que o tamanho da tragédia é indesculpável, pois o País tem apenas um desastre natural para gerenciar. Como evitá-lo no futuro? Precisamos estar preparados para um número cada vez maior de tragédias humanas relacionadas a mudanças climáticas. O clima se tornará mais variável. O úmido será mais úmido e o seco, mais seco. A Austrália, por exemplo, acaba de sair da maior seca de sua história recente e agora enfrenta o período mais úmido já registrado no país. Em Los Angeles, onde moro, recentemente tivemos o dia mais quente da história e, há algum tempo, o ano mais chuvoso e também o mais seco que a cidade já viu.
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O geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) enfatizou aspectos socioculturais para explicar os dilemas da sociedade, enquanto seu trabalho é considerado por alguns como geodeterminista. Aspectos culturais não teriam mais influência sobre o futuro das sociedades que os naturais? Com frequência as pessoas me perguntam se isso ou aquilo é mais importante para explicar o declínio das sociedades. Questões como essas são ruins. É o mesmo, por exemplo, que perguntar sobre as causas que levaram ao fracasso de um casamento. O que é mais importante para manter um casamento feliz? Concordar sobre sexo ou dinheiro, ou crianças, ou religião, ou sogros? Para se ter um casamento feliz é preciso estar de acordo a respeito de sexo e crianças e dinheiro e religião e sogros. O mesmo se dá no entendimento do colapso de sociedades. Fatores culturais são importantes, mas diferenças ambientais não podem ser ignoradas. Por exemplo, as regiões Sul e o Sudeste do Brasil são mais ricas que a Norte. Isso é por causa do meio ambiente, não porque as pessoas no norte sejam burras e as do sul mais inteligentes ou cultas. A explicação é que o norte do país é mais tropical e áreas tropicais tendem a ser mais pobres porque têm menos solos férteis e mais doenças. O mesmo é verdade nos EUA, onde até 50 anos atrás o sul foi sempre mais pobre que o norte. Ao redor do mundo, esse padrão é repetido: países tropicais tendem a ser mais pobres que os de zonas temperadas.
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Que sociedades estão em colapso hoje? Todas as sociedades do mundo estão em risco de colapso. Se a economia mundial colapsar isso afetará todos os países. Nós vimos o que houve dois anos atrás, quando o mercado financeiro americano quebrou, afetando todas as bolsas do mundo. Então, embora todos os países estejam em risco de colapso, alguns estão mais próximos dele do que outros - por uma maior fragilidade ambiental, porque são menos maduros política ou ecologicamente ou por qualquer outro motivo. Por exemplo, o Haiti, que retornou agora às manchetes com a volta do ditador Baby Doc, viu seu governo virtualmente colapsar e continua em grande dificuldade. O México enfrenta dificuldades gravíssimas relacionadas a problemas ecológicos, com a aridez de suas terras, e políticos, com a onda de assassinatos ligada ao tráfico de drogas. Paquistão é um exemplo óbvio, Argélia, Tunísia, que também estão no noticiário... Do outro lado, dos países com menos risco de colapso estão a Nova Zelândia, o Butão e, na América Latina, a Costa Rica. Chile também vai bem. E o Brasil tem melhores perspectivas que vizinhos como a Bolívia, claro.

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Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo.